Feira Feita               Histórias               Feito em Lisboa


Como artesãos, a Oficina deixa de ser um espaço de trabalho para ser, também, o vosso espaço pessoal. Como gerem esse equilíbrio entre o que é trabalho e o que é lazer?



J - Gosto de não estar cá, mas também não gosto de estar no sofá. Por isso a linha entre trabalho e não trabalho é muito ténue. Não me queixo, acho que é um privilégio o nosso trabalho ser aquilo que amamos fazer. É difícil e é preciso sermos um pouco rígidos connosco, senão entramos num ciclo em que sentes que tens de estar sempre a fazer coisas (e depois perdes o prazer de as fazer).

G - O equilíbrio e a disciplina são importantes. Se me deixarem, estou aqui muito tempo. Vem uma fome de produzir e fazer... que depois temos de controlar. O facto de ser o nosso atelier, envolve uma noção de disciplina, de espaço e de tempo. Ajuda-nos a produzir organizadamente. O Zé trouxe muito isso, o método. Não é freestyle. Nós temos um trabalho disciplinado, que começa à hora e acaba à hora.

J - Com a pluralidade de materiais, se não fosse assim, tornar-se-ia caótico. Há muita gente que entra aqui e diz "Que arrumado!". Mas, mais do que arrumado, está organizado. Chega uma altura em que olhamos para as coisas que compramos nas feiras e olhamos para aquilo ou como matéria-prima ou como lixo: tem de haver um filtro...

G - ... para não sermos só acumuladores. Há uma linha muito fina entre coisas que são ingredientes e que devem ser guardadas, limpas, armazenadas e o que já não tem utilidade.


Quais são os materiais que utilizam e como aprenderam a trabalhá-los?

J - Há coisas que nascem connosco. Podes estudar para fazer uma coisa mas não significa que a vás fazer. Outras são apetências que nascem contigo. Tanto comigo, como com o Gezo, é algo natural em nós. O Gezo estudou publicidade, eu estudei design e fomos fazendo uns cursos e aprendendo.

G - No meu caso, aprendi muito através da observação. Tinha um pai que fazia muitas coisas no quintal de casa. A minha mãe também, mas era diferente: transformava roupa, pintava a casa porque já estava cansada da cor que tinha, pintava móveis. O meu pai era engenheiro mecânico e tinha uma oficininha onde fazia máquinas. Acho que o meu grande professor foi a curiosidade e a observação. Não tenho curso nem de marcenaria, nem de belas-artes mas, é como o Zé falou, estava dentro. Há uma necessidade de materializar e de exprimir, e aí você vai buscar recursos.

J - A minha mãe é costureira e tinha um atelier em casa. O trabalho manual sempre fez parte de mim, porque sempre vi pessoas a trabalhar. Neste caso era roupa, mas o processo de criar, de passar do tecido a uma peça, fez parte de mim. Naturalmente tinha apetência para isso, mas também fiz cursos. É importante aprender com pessoas que sabem fazer, pessoas interessantes. Cruzei-me com pessoas que efectivamente sabiam fazer as coisas e que sabiam ensinar. Em serigrafia tive um excelente professor mas, se calhar, a melhor coisa que ele me ensinou foi "Olha, um atelier precisa de ser limpo senão o processo não vai correr bem". Aprendi a fazer serigrafia com ele, mas não me vou esquecer nunca dessa mensagem.

G - A cerâmica é um bom exemplo disso, também. É um exercício, no meu caso, de paciência. É um material onde imprimo o calor da mão, a força, mas têm de se respeitar uma série de coisas. Não adianta fazer à maluca senão vai rachar, vai explodir, vai estragar o forno. Há uma série de técnicas que você vai ter de aprender e de se adaptar também.

J - A cerâmica entrou na nossa vida em conjunto. Decidimos fazer na Sedimento e foi um óptimo sítio para aprender, a Maud e a Úrsula foram excelentes professoras. Aprendemos em conjunto, tivemos bons professores, mas o material também é um bom professor: ele ensina-te o que podes ou não podes fazer. Tanto no barro como na madeira, há coisas que só descobrimos a fazer. Há uma música do Rodrigo Leão que ouvimos muito aqui, na qual se canta "Quando uma guitarra trina/ Nas mãos de um bom tocador/ A própria guitarra ensina/ A cantar seja quem for". Se tivermos bons materiais à volta — e o Gezo dá muitas vezes o exemplo da culinária — eles também nos ensinam.

G - Isto aqui é um grande frigorífico recheado de ingredientes que vamos recolhendo.